domingo, 23 de agosto de 2009

A Fuga

A Fuga

A Dona Eurides, mãe da Verinha, temerosa pela onda de violência, e também de estupros que estava tomando o Bom Pastor, resolveu tomar a iniciativa de organizar festas americanas para os jovens do morro. As meninas levavam um prato e os meninos os refrigerantes, e o imenso quintal cimentado da dona Eurides, virava um baile maravilhoso, dividido em menudetes e a galera do Break.
As festas aconteciam de 15 em 15 dias, mas na semana que não tinha festa, os jovens se reuniam lá também, só pra colocar o papo em dia.
Num desses dias de festa, eu estava sentada no portão, sozinha, meio deprê, quando alguém se aproxima e diz:
- Oi, parece que eu não sou o único que não está a fim de se divertir hoje!
Eu irônica respondi:
-É... Parece que não.
- Meu nome é Jair e o seu?
- Sandra, mas conhecida como Sandrinha.
Ele diz:
-Posso saber o porque de tanta tristeza?
Eu respondo:
-Humm.. Só se você me contar o motivo da sua, primeiro!
Ele diz:
-Bem, é uma história longa e complicada, eu tenho uma namorada chamada Marta, ela é a mulher da minha vida, eu a amo muito.
Eu:
-Sei...
Ele:
-O problema é que a família dela quer nos separar, eles acham que o namoro está serio demais, e que está atrapalhando ela nos estudos, e também acham que somos muito jovens e que eu posso me aproveitar dela... Essas coisas. Entende?
Eu:
- Entendo... Mas pelo menos ela te ama, eu gosto de alguém que nem me nota, que nunca vai ser meu... E eu o amo demais.
Ele:
- Infelizmente essas coisas fazem parte da vida, mas tudo passa, somos jovens, você é uma garota super simpática, legal, na hora certa vai encontrar um cara que vai te dar valor e te fazer feliz, como você merece.
Eu:
-Obrigada, tomara que sim.
Naquele momento, percebi que uma grande amizade acabava de nascer, e foi exatamente isso o que aconteceu. O Jair era novo no morro e eu não tinha tido a oportunidade de conhecê-lo. Daquele dia em diante, eu teria um ombro amigo todas as vezes que estivesse triste, e ele idem. Nos tornamos unha e carne, como irmãos, nossos sentimentos eram puros e sinceros. Nunca vi o Jair como um menino, mas como um irmão, ele me chamava de maninha, e eu o chamava de maninho. Mas como a maldade é uma das piores virtudes da humanidade, começaram a espalhar boatos de que estávamos ficando, porém eram mentiras infundadas, ele não gostava de meninas brancas, e amava sua namorada, eu só pensava e amava o Carlinhos, mas conhecido como Índio. Ele era lindo, tinha a pele bem morena e os cabelos muito lisos e negros, tipo um índio mesmo.
Eu andava meio triste, pois só via ele quando íamos aos bailes, porem com a onda de violência, as meninas nem podiam sair de casa, como se isso não bastasse, os bandidos invadiam as casas e estupravam as meninas na frente de irmãos pais. Como aconteceu com duas amigas minhas da minha sala.
Estávamos todos em sala quando nosso professor Sanjo narrou o fato, dizendo que as duas gêmeas não estavam freqüentado as aulas por esse motivo, que elas estavam muito abaladas e que naquele dia, finalmente, elas estariam retornando, e por isso ele gostaria de pedir que ninguém fizesse nenhuma pergunta às meninas, nem sobre o fato delas perderem tantas aulas.
Uma semana depois...
-Sandrinha, Sandrinha, você precisa me ajudar. -Diz o Jairzinho gritando na minha rua, enfrente a minha porta.
-O que houve?! - Respondi.
Ele:
- Você precisa me ajudar a ver a Martinha, vai na casa dela e pede a mãe dela pra deixar ela ir ao Nojentus com você!
-Eu?? Pra que? Como assim? - Interroguei.
-É que eu não posso ir até lá, e como eles gostam muito de você, eu tenho certeza que vão liberar ela, ai eu vou até lá pra vê-la. - Ele disse.
Mas eu estava com um pressentimento muito ruim, e desde criança sempre tive premonição e intuição. Nesse dia eu estava muito mal, algo não ia bem, eu sabia que não deveria ir a lugar nenhum, eu disse:
- Maninho, sinto muito, mas não vai dar não! Estou com aquele sentimento ruim que tenho toda vez que vai acontecer algo ruim!
Ele Diz:
- Sandrinha, por favor! Não faz isso comigo não, eu só posso contar com você, você é a única pessoa que eu tenho pra me ajudar, esse pressentimento deve ser por causa das coisas que vem acontecendo, você deve ta impressionada.
Depois de muito relutar, eu decidi ajudar meu amigo, fui até a casa da Martinha pedir a mãe dela pra ela ir ao clube comigo, e disse que voltaríamos cedo.
Hora do baile... Mais uma vez, lá estava eu segurando vela, acho que passei metade da minha adolescência fazendo isso... Rsrsrs.
Sentei num muro que separava o bar do salão, e fiquei ali, só curtindo minha dor de cotovelo e minha solidão, mas não conseguia ficar bem, meu pressentimento cada vez aumentava e aquilo era desesperador... Me torturava a cada minuto.
O Baile acaba, e como sempre, formam-se os grupos que seguiam seus rumos juntos. Esses grupos iam se separando aos poucos, foi assim que de repente só eu e Jair estávamos na velha estrada de Belford Roxo... Parecia tudo normal, mas eu sabia que aquele não era um dia como outro qualquer. Os carros passavam por nós, até que olhei para trás, e vi dois faróis de carro ao longe... Naquele instante eu percebi que o que eu temia, ia se tornar fato.
Comecei a sentir uma energia muito negativa, meu corpo arrepiou, meu coração disparou, então disse ao Jair:
- Vamos correr! Temos que correr!
Ele disse:
-Ta maluca? Pra que?
Eu Disse:
-Aquele carro que vem devagar lá trás, é aquele carro... Algo vai acontecer.
Ele disse:
-Vamos fazer o seguinte, vamos andar calmamente, como se nada estivesse acontecendo, quando chegar na próxima ruazinha a esquerda agente dobra, corre e se esconde no primeiro lugar que der, ok?!
Eu Disse:
-Ok!
E assim fizemos... Entramos na pequena rua pulamos o muro de uma casa, e nos escondemos atrás desse muro, e por um buraco desse muro, vimos quando o carro parou no meio da estrada, e três homens começaram a olhar como se estivessem procurando por algo. Vendo aquela cena, o medo e o desespero dominaram meu ser por completo. O carro seguiu lentamente ainda como se estivesse procurando por algo, e nós percorremos varias ruas, nos escondendo entre matos e muros, até chegar na rua pinheiro machado (mais conhecida como Morrão). Naquela época, não dava pra um carro subir, pois a rua era esburacada com imensas crateras. Foi quando ao chegar no pé do morro, perto da casa do Jair, vimos os caras correndo atrás de nós.
O Jair disse:
-Vamos entrar na minha casa!
Eu disse:
- Não!! Se agente entrar na tua casa eles vão ver onde é, entram e fazem o que tem pra fazer. Vamos continuar cortando caminho, que a partir daqui eles não vão conseguir ver onde entramos.
E assim fizemos, até chegar na minha casa, e ao contarmos pro meu pai o ocorrido, ele pegou uma barra de ferro e foi pra ver se a rua tava tranqüila.
Graças a Deus tudo voltou ao normal.

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