quarta-feira, 28 de outubro de 2009

O Circo

Desde que eu me entendo por gente, circo é algo que me fascina, principalmente palhaços, malabaristas e trapezistas. Me perdia em devaneios sonhando em ser uma palhaça malabarista.
O parque do Bom Pastor foi embora, dando vez ao circo, pequeno, porém era o motivo de muita alegria e diversão. Minha avó Euvira quando tinha dinheiro na mão só pensava em nos proporcionar grandes alegrias, as vezes em pequenas coisas como sorvetes e doces. Mas minha avó era tão querida, que sempre era presenteada com ingressos e doces. E por falar em doces, quero narrar também uma coisa que me marcou muito na infância: a época de Cosme e Damião. Crenças a parte, naquela época em que passávamos fome, e quando tinha frango ou carne era luxo, era festa, momento raro... Ficávamos o ano todo contando os meses, semanas e dias para as festas de Cosme e Damião, só assim comeríamos doces durante dias, além de ganharmos brinquedos que não podíamos comprar como bonecas, bambolê... Eu sumia de casa assim que o sol nascia e só voltava depois de escurecer com uma bolsa de supermercado cheia de doces.
Vamos falar de circo... Minha avó ganhou convites para a estréia, um rapaz chamado Edgard, que trabalhava numa obra deu a ela, que chegou toda feliz em casa, mostrando três convites, um para ela e os outros para eu e minha irmãzinha Beth. O meu entusiasmo era tanto que quase não conseguia me conter, ficava andando de um lado para o outro contando as horas e, finalmente 18h, não posso esquecer a sensação que senti, parece que estou vivendo essa emoção agora, só de lembrar o quanto o circo me fascinava e fascina.
Logo na entrada conheci um rapaz. Ele disse:

- Oi, sejam bem vindas!
- Obrigada – eu disse.
- Meu nome é Batatinha, e o seu?
- Sandrinha. Esta aqui é Beth, minha irmã e essa é minha avó Euvira.
- Oi, dona Euvira. Que bom que a senhora veio.
- Nós adoramos circo! – disse minha avó – Que bom que vocês vieram até Bom Pastor.
- É, mas agora vamos deixar de papo, pois o espetáculo vai começar!

Puxei a mão de minha avó e fomos correndo para dentro. Sentamos na primeira fileira. Nunca vou me esquecer, tinha uma mulher que andava de bicicleta numa corda. De repente aparecem dois palhaços... Nessa hora meu coração começou a bater mais forte e, para minha surpresa, um dos palhaços era nosso amigo Batatinha.
No final do espetáculo estávamos saindo quando Batatinha veio até nós e disse:

- Vocês gostaram?
- Nossa! Eu adorei! – eu disse – Eu adoro malabaristas e palhaços! Um dia ainda vou ser um palhaço também!
- Legal que você gostou! Vou te propor uma coisa então...
- O que?
- Fora do horário do espetáculo você é minha convidada para conhecer todos aqui, assistir nossos ensaios... O que acha?
- Caramba! Acho maravilhoso! É sério?
- É sim!

E assim aconteceu, foi algo inesquecível para mim participar da vida de um circo, assistir os ensaios, conviver com aquelas pessoas foi algo que me marcou e que nunca esqueci... Nem eu, nem minha irmã, que até hoje fala “Senti um friozinho na garagem”, frase que Batatinha falava quando o outro palhaço abanava o bumbum dele.
Foram dois meses de muitas descobertas e alegrias, até o dia da despedida, dia do circo ir para outro bairro. Foi um dia muito triste para mim, me despedir de todos aqueles amigos e, principalmente, de Batatinha, que me ensinava como ser palhaça, me fazia chorar de rir...
Antes de chegar perto, fiquei uns vinte minutos de longe, olhando todos trabalhando, desmontando o circo. Sentia tanto... Era uma angustia dentro do peito, era como se tivesse perdendo parte da minha família e, ao mesmo tempo, parte do meu mundo.

- Vim me despedir. – eu disse ao Batatinha, chorando.
- Sandrinha, não fica assim. – ele disse – Vida de artista circense é assim, não criamos raízes em nenhum lugar, porém onde passamos deixamos nossa semente de amor, amizade, alegria... Mas também deixamos e levamos muitas saudades de quem nos ama, e amamos.
- É... Eu sei...
- Vou te dar uma pequena lembrança para você nunca mais esquecer. – disse ele, colocando um nariz de palhaço em meu rosto. – Seu primeiro nariz, apenas o começo de sua trajetória de palhaça, um dia tenho certeza que vamos nos encontrar novamente em algum circo por aí!
- Tomara! Mas de qualquer maneira quero que você saiba que foi muito especial para mim.

Dei um beijo em seu rosto saí... Escondi-me durante horas, e quando o caminhão saiu, levando todos os meus amigos, levou também um pouco de mim.

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