quarta-feira, 5 de agosto de 2009

A Chacina que abalou a Baixada Fluminense

Com o passar dos anos, muitas coisas mudaram no bairro. Aquele lugarzinho tranqüilo, aos poucos entrava nas manchetes sangrentas dos jornais e noticiários da época.
Em dias de baile, eu ia com as meninas arrasar e dançar (eu achava), mas quem arrasava mesmo era o The Break City. Lembro-me como se fosse hoje o dia em que eles ganharam o primeiro concurso. Foi na Igreja Católica do Jardim Bom Pastor. No bairro não tinha cinema, shoppings ou teatros... Absolutamente nada para se fazer. Ficávamos aguardando os dias de festas, como carnaval e festas juninas.
A festa da Igreja era muito divertida, tinha muita comida típica, karaokê, concurso de dança. Foi assim que o grupo teve sua primeira aparição em público, e foi um sucesso. Foi emocionante ver todo mundo gritando como se o grupo já fosse famoso e, como já era de se esperar, pela reação do público, eles ganharam o primeiro lugar, e seu primeiro premio, em dinheiro. Dinheiro que eles dividiram entre si, mas com uma condição para todos: comprar roupas e acessórios para seus shows, e foi o que fizeram.
Eu, por minha vez, participei do concurso de karaokê e tirei o segundo lugar, ganhando fichas de pescaria e lanches.
A semana passou rápida, e foi em outra festa junina, na rua Nova Esperança, em frente a padaria do Muniz, que aconteceria um fato marcante, não só nas nossas vidas, mas na vida do povo do Bom Pastor e na história da baixada Fluminense. Coloquei um vestido que a Nina tinha me emprestado e um sapato com um numero menor que meu pé, um sapato que a minha tia Luzia havia dado, porem como eu não tinha nenhum outro, e tinha gostado muito dele, era marrom, cheio de furinhos, o coloquei mesmo sentido dor, achei que suportaria. Peguei minha pequena irmã Beth pela mão e a levei para festa que começava às 18hs. Meu irmão também estaria por lá, o que deixou nossa mãe tranqüila quanto a Beth ir.
A festa estava linda, super animada... Aliás, para mim, até hoje, a melhor festa que existe é a junina. Eu estava na barraca do Carlinhos, bem em frente à padaria, comendo maçã do amor com minha irmã, quando, de repente, um opala branco, de vidros escuros freia bem em cima do muro do Ferro velho e saem três caras armados, encapuzados, atirando sem motivo algum para todos os lados. Um deles se aproximou do Carlinhos, puxou o gatilho, mas a bala não saiu, dando tempo dele correr, eu que estava ao lado da barraca, fiquei em estado de choque, paralisada, não conseguia me mexer, quando de repente senti alguém me puxar pelo braço, era o Joãozinho, que abaixou minha cabeça e saiu me puxando em zig-zag para longe dali... Mas os bandidos cercaram cada esquina e ficavam atirando para todos que tentavam sair do local, pois a festa estava acontecendo num miolo entre essas esquinas. O desespero era total, todos gritando, chorando, minha irmã saiu correndo, se afastando de mim, eu entrei em desespero querendo achá-la... Enquanto isso, um homem agonizando dentro de um valão tentava puxar minhas pernas para que eu o socorresse, mas eu nada podia fazer, tinha que achar minha irmãzinha e meu irmão. Foi quando vi o Ricardo, e comecei a gritar seu nome, ele veio até a mim se desviando de tiros, quando ele chegou perto eu o abracei em prantos, dizendo:
- A Beth, ela está por ai, minha irmã, me ajude.
Ele me disse:
- Fica calma Sandrinha, eu vou achar a Betinha, eu prometo, não sai daqui, eu vou achá-la e vou trazer aqui, depois levo vocês para casa.
E assim ele fez, voltou com minha irmã no colo, me pegou pela mão e nos ajudou a sair dali. Ao Chegar em casa, uma sensação de alivio me dominou pelo fato da minha irmã estar sã e salva, e nesse mesmo instante sinto meus pés encharcados, como se estivessem molhados, e quando olho, estavam banhados em sangue. Na hora do corre-corre nem senti dor, e o sapato estava tão apertado que deixou meus pés em carne viva, ai comecei a sentir a dor. Porém, a dor que realmente me invadiu foi a preocupação com meu irmão, pois ele estava sei lá onde, e não havia chegado. Então, me ajoelhei e comecei a rezar, pedindo a Deus que o guardasse, minutos depois ele chegou, e eu fingido que estava dormindo, respirei fundo, aliviada, agradecendo a Deus por guardar meu irmão.
No dia seguinte, as noticias... Foi uma das chacinas mais brutais da baixada naquele ano:
23 mortos. Entre eles crianças, idosos, pessoas de família e honestas. E o mistério permanece até hoje. Ninguém sabe o motivo daquilo tudo...

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